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CINEBLOG

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The Adventures of Tintin (2011), de Steven Spielberg


Para não dizerem que deixei de comentar filmes, aqui vai uma rapidinha com algumas semanas de atraso.

Nada temam senhoras e senhoras, o TinTin do Spieberg vale mesmo a pena. Apesar da animação revolucionária, esta é uma aventura à moda antiga, conduzida com muita classe e imaginação por parte do mestre Steven, que merece figurar ao lado de qualquer Indiana Jones (não o vi em 3D mas fiquei com a sensação de ser dos poucos filmes a merecer uma oportunidade no mundo das três dimensões.).

Tecnicamente é perfeito (põe a uma canto qualquer das experiências de Zemeckis) e vai, indubitavelmente, agradar a miúdos e graúdos que procuram hora e meia bem passada.

Curiosamente, o ponto mais fraco que lhe encontro acaba por ser o próprio TinTin. O protagonista é um totó, que de tão bonzinho até aborrece. Não há nada que nos ligue emocionalmente ao personagem e este acaba por atuar apenas como uma espécie de guia turístico amorfo que nos conduz até ao que realmente interessa. Felizmente que os restantes personagens (em principal o magnífico e alcoólico Haddock de Andy Serkis) têm carisma suficiente para compensar a falta de matizes morais do TinTin.

O facto de seguir a bitola das aventuras clássicas acaba por torná-lo de certa forma previsível mas nada que ponha em causa a sua qualidade e que não possa ser corrigido numa sequela.

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Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2 (2011), de David Yates

Não é novidade para ninguém: nunca fui o maior admirador dos filmes do Harry Potter. Ao longos dos últimos anos entrava sempre nas salas de cinema com grandes expetativas (os filhos da mãe dos trailers eram sempre tão bons!) e saía inevitavelmente desiludido. Havia algo que não funcionava. Algo que tornava a narrativa frouxa e apressada. O facto de não conhecer os livros e de não dominar o universo em questão tornava a minha experiência inferior, coisa que nunca deveria acontecer.

Mas os filmes também tinham méritos que eu raramente referia. Agora que a coisa chegou ao fim (e todos sabemos que quando as pessoas morrem, os seus defeitos são esquecidos quase instantaneamente - a menos que tenhas sido um maníaco psicopata) chegou a altura de deixar um pouco de lado os meus problemas com a saga e fazer um memorial condigno.

Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2 é o culminar de uma saga que foi ganhando confiança há medida que os anos foram passando. Foi ficando mais negra, mais adulta e o seu universo foi ficando cada vez mais sólido. Agora que chegou ao último capítulo tudo funciona como um relógio suiço. A mitologia solidificou-se e é agora um universo em plena atividade por direito próprio (e por muito que critiquem a escrita de J.K. Rowling, o universo de Harry Potter é rico, robusto e verdadeiramente mágico)

Há muito que aprendemos a lidar com os atores principais e conhecemos as suas manhas melhor do que ninguém (as questões hormonais de feiticeiros adolescentes já não me chateiam tanto). Conhecemos Hogwarts como a palma da nossa mão (afinal de contas entramos lá quase anualmente durante os últimos 10 anos) e talvez por isso, visualmente, Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2 seja tão desconcertante. A magnífica fotografia do Eduardo Serra transforma aquele sítio simpático e mágico, que nos foi apresentado por Chris Columbus em 2001, num cenário pós-apocalítico, perigoso e repressivo. É como se nos tivessem entrada dentro de casa e violado um lugar que julgávamos seguro.

O desfecho é épico como seria de esperar (os rivais enfrentam-se, gente morre, coisas são destruídas. estátuas gigantes são chamadas ao serviço e recuperam-se personagens tão boas como Severus SnapeMinerva McGonagall) e mesmo o epílogo, com um forte potencial para ser ridicularizado, consegue ligar o interruptor da nostalgia e deixar-nos com vontade de começar tudo outra vez. 

Ora deixa-me lá ver onde arrumei o dvd do primeiro filme.

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Super 8 (2011), de J.J. Abrams

 Se há coisa que marcou indubitavelmente a minha infância foi o bacalhau assado da minha avó. Ainda hoje começo a salivar que nem um perdido só de pensar naquelas batatas meticulosamente trabalhadas para absorver a quantidade ideal de azeite. Há uns anos tentei reproduzir o prato. Pedi a receita à minha avó e segui tudo à risca. Cortei as cebolas milimetricamente e calculei o azeite necessário para lhe dar o tal sabor especial. O resultado foi bom. Foi provavelmente o melhor bacalhau que já cozinhei mas estava a anos luz do bacalhau da minha avó. Ora, se eu utilizei os mesmos ingrediente e segui as medidas à risca... porque é que isto aconteceu? Não sei. E desconfio que o J.J. Abrams também não sabe.

 

A ideia por detrás do Super 8 era simples: homenagear o cinema familiar de ficção científica/fantasia dos anos 80. J.J. Abrams chamou uma série de crianças, inseriu-as num bairro americano comum e apresentou-lhes-lhes um elemento de uma outra realidade que os iria levar a viver a aventura das suas vidas (E.T.? Goonies? Gremlins? É só escolher). Não faltaram as referências de aquecer o coração (uma paixão ternurenta pelo cinema ou um colar, símbolo de um amor intemporal) e alguns dramas familiares e rivalidades por resolver. Tudo isto apimentado com um humor inocente e agradável. Está tudo lá, pronto para atacar o glândula da nostalgia e fazer as delícias de quem viveu numa altura em que Spielberg era Deus.

 

No entanto, a verdade é que a coisa não funciona como nós gostaríamos. A magia perdeu-se algures. Aquela inocência que esperávamos encontrar não está lá. Sentimos desde o início que aquilo não é autêntico apesar de não conseguirmos perceber exatamente porquê. Não sei se a culpa é dos lens flares, do monstro em CGI, ou do déjà vu constante, mas sei que algo falha.

 

Não me interpretem mal, Super 8 não é um mau filme. As crianças estão surpreendentemente bem, com uma química sincera e palpável, as sequências de ação são fantásticas (atente-se na sequência do descarrilamento) e a narrativa está bem construída (apesar de não ter nada de realmente surpreendente ou memorável).

 

No entanto não tem aquele feel dos anos 80 da mesma forma que o meu bacalhau, apesar de ter sido feito a partir da mesma receita, não sabe ao mesmo que o da minha avó. Ao não conseguir apelar à nostalgia acaba inevitavelmente por perder o seu maior trunfo.

 

Admito que, por exemplo, o The Hole do Joe Dante, que estreou em Portugal no início do ano, consegue transportar-nos para esse cinema de forma mais autêntica, mesmo sendo um filme com uma ambição diferente. Mas, pensando bem isso nem é de estranhar. Afinal de contas Joe Dante continua a ser Joe Dante e o J.J.Abrams, ao contrário do que gostaríamos de acreditar, não é o Spielberg.

 

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Unknown (2011), de Jaume Collet-Serra

A competência de Unknown é inquestionável. O último filme de Liam Nesson é um thriller competente, com representações competentes, um guião competente que culmina numa revelação também ela competente. Claro que a competência de tudo isto poderia ser posta em causa caso a realização do espanhol Jaume Collet-Serra não fosse também ela competente, coisa que não acontece.

O problema é que a competência, muito procurada em ambientes profissionais e académicos, sabe a pouco no contexto artístico do cinema. Não há nada de verdadeiramente memorável em Unknown. O mistério é bem filmado, a tensão é razoavelmente bem executada mas não é nada que não tenha sido visto já vezes sem conta, e por vezes de forma bem mais interessante. Falta-lhe aquele fator de desequilíbrio que separa a competência do talento.

Claro que é sempre um prazer ver o Liam Neeson, de blazer impecavelmente engomado, a arrear num bando de meliantes sem dó nem piedade.

 

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Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides (2011), de Rob Marshall

Se por um lado On Stranger Tides tem tudo aquilo que podíamos querer num filme do Jack Sparrow (veja-se o humor, as sequências de ação, a simplicidade, bons secundários e um vilão de respeito), por outro deixa de lado tudo aquilo que não funcionou tão bem nos últimos filmes (a duração excessiva, os inúmeros e confusos arcos narrativos, uma dupla de co-protagonistas desgastada e alguma pretensão artística injustificada).

Não é um filme totalmente despretensioso (nenhum blockbuster o é, nem que seja pela pretensão de querer fazer dinheiro), mas é um produto leve, honesto e divertido que volta a colocar Jack Sparrow na rota do The Curse of the Black Pearl, o primeiro e melhor filme dos quatro. Não é particularmente inspirado (Rob Marshall atuou aqui como um simples rotineiro que se limitou a copiar aquilo de bom que tinha o estilo de Verbinsky) mas é engenhoso q.b. e sabe ser impressionante quando quer, como prova a sequência do ataque das sereias que não deixa nada a dever aos delírios surrealistas de Gore Verbinski.

Tem um elenco forte, no qual se destaca, inevitavelmente, a adição de Penélope Cruz como uma versão feminina do Jack Sparrow, e o portentoso Blackbeard de Ian McShane, o novo e assustador nemesis de Sparrow. Mas talvez a principal novidade neste aspeto seja mesmo a ausência dos personagens de Orlando Bloom e Keira Knightley, uma dupla inconsequente que desviava a atenção para aquela que é a grande mais valia da saga e que a distingue de outros produtos do género (veja-se Prince of Persia). Estou a falar claro do Jack Sparrow de Johnny Depp.

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Source Code (2011), de Duncan Jones

Mesmo que ainda seja cedo para chegar a uma conclusão definitiva sobre o talento de Duncan Jones (lembrem-se do estado de graça de Shyamalan ao fim de quatro filmes e olhem para ele agora), não posso deixar de ficar impressionado com o início auspicioso da carreira de realizador do rebento de David Bowie.

Assim de repente, poucos são os elementos comuns entre Source Code e Moon, a primeira longa-metragem do realizador. Se no seu primeiro filme, Jones optou pela perfeição formal, com planos meticulosamente compostos, em clara sintonia com o classicismo de Kubrick, Source Code é muito mais um frenético Hitchcock do século XXI, que tanto pode ser comparado a Die Hard, pela crueza e sobriedade da ação, como com o clássico de Harold Ramis, Groundhog Day, pelo engenhoso set up e respetiva estrutura narrativa (e já que estamos a falar de influências é inevitável referir Quantum Leap, uma série do início dos anos 90 à qual Source Code foi buscar grande parte da inspiração e que tem direito a uma homenagem através de um interessante "cameo vocal".)

Colter Stevens (Jake Gyllenhaal) é um piloto da força aérea norte-americana que se vê envolvido num projeto militar que permite revisitar os últimos 8 minutos de um determinado incidente. Neste caso, Stevens é enviado para o corpo de um dos passageiros de um comboio que foi alvo de um terrível atentado terrorista e tem 8 minutos para descobrir o que se passou. À boa maneira dos videojogos, a sua participação no projeto assenta numa dinâmica de trial and error. Pode revisitar o cenário as vezes que quiser (digamos que tem Continues ilimitados) desde que no final descubra o que se passou.

Por muito complexo que possa ser o sistema que permite as viagens quânticas do protagonista (não são viagens no tempo, porque não pode se alterar o que já aconteceu), o argumento (numa manobra sensata) simplesmente está-se nas tintas para isso. Ao contrário de Inception (um filme que se pode inserir no mesmo género mas que opta por uma abordagem muito mais auto-explicativa), Source Code prefere omitir as explicações, o que acaba por reduzir consideravelmente as hipóteses de se contradizer. Sabemos apenas o essencial do conceito (vão ser feitas revelações, claro, mas nada que complique a perceção do espectador) e a partir daí é ver as peças a obedecerem a essas regras.

Desde o início que Jones consegue provar que conhece muito bem os mecânismos do thriller. Mal as luzes se apagam é criado imediatamente um clima de mistério e de extrema urgência que se vai desenrolando de uma forma inteligente e bem estruturada, sem se complicar em demasia e deixando sempre um espaço para que o espectador mais criativo possa divagar no micro universo onde decorre a ação (para isso muito ajuda a credibilidade e empatia dos personagens principais). 

É verdade que Source Code não é uma obra prima (tal como a Moon, falta-lhe aquele brilho narrativo para o elevar a um patamar de obra incontestável) mas vem provar duas coisas: se por um lado Duncan Jones ainda não tem um estilo definido (o que não é totalmente mau, pois revela humildade e progresso), é claramente um indício do talento do Ziggy Stardust Jr.

 

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Quem fala assim não é gago


Mais interessante do que fazer um grande filme a partir uma grande história, só mesmo fazer um grande filme a partir de uma curiosidade digna do Trivial Pursuit.

The King's Speech pega numa particularidade insólita de uma personagem relevante da história recente do Reino Unido, e transforma-a no ponto de partida de um pequeno tratado sobre a amizade e o poder da comunicação. O argumentista David Seidler construiu um conto meticulosamente equilibrado, salpicado de personagens entranháveis (apesar de ter também a sua quota parte de caricaturas) que assenta na luta de um homem contra uma incapacidade física e no poder da amizade nas relações entre classes.

Um dos grandes méritos de Tom Hooper, realizador nascido na televisão britânica, foi saber exatamente qual o seu lugar numa estrutura destas dimensões. Não foi exibicionista e soube deixar o caminho livre para os atores se exprimirem. Optou por planos abertos, com muitos espaços livres, criando um pequeno grande palco virtual onde Colin Firth e Geoffrey Rush nos brindaram com duas das mais brilhantes interpretações do ano.

Por outro lado, é impossível não ficar deslumbrado com o trabalho do diretor de fotografia Danny Cohen. Não estou a exagerar quando digo que 80 por cento dos planos deste filme podem ser perfeitamente usados como fundo do ambiente de trabalho.

Dito isto, concluo afirmando convictamente que considero The King's Speech o filme mais equilibrado do ano. Tecnicamente brilhante e recheado de grandes e bem dispostas interpretações, pode, no entanto, ser criticado pela academismo do seu realizador. Para mim essa passividade é um ponto de joga claramente a favor do bem geral da obra. Nem todos podem brilhar, por isso, à falta de génios que nos sirvam excelentes artesões.

James Franco contra o mundo.

 
Depois de Slumdog Millionaire, o realizador Danny Boyle regressa aos Óscares com 127 Hours. Ainda traumatizado pelos resultados de 2008, a primeira pergunta que me ocorreu foi: estaremos perante outra estopada visual monumental? Depois pensei: vá, acalma-te J.B. Estás a ser injusto. Afinal de contas este senhor esteve por detrás de Trainspotting e 28 Days Later. Vamos lá dar uma oportunidade ao senhor. Antes que tivesse tempo de me lembrar do The Beach fugi para o cinema mais próximo.


Boyle não tem pressa de começar. Os primeiros minutos são usados para caracterizar convenientemente o cenário e dar algumas pistas sobre a personalidade do personagem principal (um alucinado mas simpático aventureiro) ao mesmo tempo que o espectador se vai habituando ao estilo visual muito próprio do realizador. Passado o primeiro quarto de hora acontece aquilo que todos esperávamos e começa a corrida contra ao tempo.

O grande problema é que Boyle não se limita a contar uma história de sobrevivência. Resolve transformar a dita cuja numa espécie de experiência visual em que somos convidados (ou melhor, obrigados!) a visitar a vida e a psique do protagonista. Mais uma vez Boyle saca do baú um conjunto de artimanhas visuais epiléticas (e completamente indispensáveis) e resolve brindar-nos com um subproduto indefinido de qualidade duvidosa. Se não fosse por James Franco, estava bem lixado.

O ator puxa de todos os seus galões e contra tudo e contra todos (Danny Boyle incluindo), consegue arrancar uma interpretação fantástica que resgata o filme dos efeitos nefastos dos disparates inventados por um realizador mega barroco. Sentimos verdadeiramente a dor de Franco, pensamos como ele, tentamos descobrir a melhor maneira de o tirar daquela situação. Deixou de ser um simples personagem e transformou-se no nosso melhor amigo. Não é um ator a representar Hamlet ou qualquer outro personagem inalcansável. É um ator a representar o nosso vizinho do lado e consegue fazê-lo com uma eficácia incrível.

Se Danny Boyle tivesse errado no casting, possivelmente 127 Hours nunca teria passado dos MTV Movie Awards. Com James Franco, não só chegou aos Óscares com se tornou num dos filmes mais inspiradores e humanos do ano.